Há um burburinho autárquico em Sintra. Falemos então dos porquês.
Fernando Seara entrou para a Câmara Municipal de Sintra por uma porta demasiado grande para a sua capacidade trabalhadora. Entrou sem perceber nada da matéria, como que lançado aos lobos de uma alcateia voraz e impiedosa. Ao entrar deparou-se com os vícios do local - notórios em qualquer mudança -, que o amedrontaram. Para se tentar salvaguardar, muniu-se de uns quantos amigalhaços, alguns deles, coincidentemente, que usavam cachecol ao pescoço da mesma cor do seu. Paulatinamente, Seara foi tentando adaptar-se às situações que a novidade autarquica lhe colocava pela frente. Aos poucos e poucos, a sensação de bom aluno começou a entrar-lhe na cabeça, mais do que nas acções. Começou, por isso, a julgar-se
expert naquilo que não entendia. Pagava ordenados a funcionários em envelopes que saiam do seu próprio bolso e em
cash puro e duro, porque cheques podiam ter cabelo. De onde viria esse dinheiro e como o iria recuperar e justificar são questões de alguma relevância que terá resolvido sozinho. Decisões difíceis...
Para não ter chatices internas deu pelouros a CDU. Inteligentemente, calou-os. Os caracóis até desapareceram do IC19, embora a zona tenha continuado lenta. Negociou, com um CDS/PP algo medroso pela novidade que tudo isto acarretava, uns
lugarzecos divididos entre Assembleia Municipal, Juntas de Freguesia e Câmara Municipal.
A sorte de o PS ter rabos de palha, dos tempos de Edite Estrela, e de não ser uma oposição à altura, facilitou os trabalhos remediados de Seara na liderança da edilidade. Os seus discursos cheios de rodriguinhos e de pedidos de desculpa, a intercalarem palavras, serviam e chegavam para calar a oposição. Apenas o Bloco de Esquerda lhe conseguia por vezes (poucas) fazer frente, mas João Silva era um só e sempre com menor poder de cativar audiências. O verbo "suscitar", tanto usado por Seara, suscitava logo no primeiro mandato alguns incómodos nos vereadores do PSD. Marco Almeida, já aí, revelava não estar de acordo com certas atitudes e compadrios internos. Lacerda Tavares também. Seara houve momentos em que conteve alguns embaraços, não coincidindo a sua presença nas Assembleias Municipais com Lacerda e Marco. Outras vezes terão sido ilações precipitadas de quem assistia, pois julgava-se que haveria uma "guerrinha" interna quando, afinal, um ou outro encontro benfiquista era o mote para suscitar a Seara uma falta de comparência nas reuniões da Assembleia.
Passaram-se quatro anos, muitos tachos a amigos se deram, alguns ainda se mantêm. Todavia, o disco toca no mesmo sentido. Consciente do passado e com receio de alguma partida do futuro, Seara espanta tudo e todos ao dar pelouros na vereação ao PS. João Soares viu-se assim numa posição no mínimo estranha: perdeu as eleições e ficou vereador com direito a pelouro.
A falta de lucidez não se pode apontar a Seara nestes convites. Ele, não sabendo lidar com todos os problemas que uma Câmara comporta em si mesma, resolveu recorrer à táctica que matou o caracol da IC19, mas desta feita incluíndo o PS. Assim, terá pensado, a governação estaria facilitada. Contudo, Marco Almeida, que tinha fechado os olhos tanta vez, abriu-os na semana passada e fez cara feia ao Professor. O excesso de compadrios parecem finalmente incomodar alguém. Só espero é que Marco Almeida não tenha medo, a partir de agora, de dizer um "basta!" vigoroso. É que, caro Marco, tão ladrão é o que rouba como o que fica à porta.