quinta-feira, janeiro 26, 2006

«O que diz quem vota nulo»

José Mourinho não era candidato presidencial, mas isso não impediu o treinador do Chelsea de arrecadar as preferências de vários eleitores que no domingo passado foram às urnas.

Palavrões, mensagens de apoio, poemas agrafados, desenhos inocentes ou acintosos. De tudo um pouco pode ver-se e ler-se nos cerca de 43 mil e 500 votos anulados nas últimas eleições.

Sabia, por exemplo, que os eleitores de Jerónimo de Sousa têm um orgulho desmedido no candidato? Muitos fizeram questão de inscrever a cruz no quadrado e assinar por baixo... para que conste.

«Vários eleitores votaram e assinaram por baixo. Aconteceu, sobretudo, com quem votou em Jerónimo de Sousa», conta ao PortugalDiário a juíza Sónia Kietzmann, presidente da Assembleia de Apuramento Distrital de Vila Franca, que analisou os boletins da Amadora, Loures, Odivelas, Azambuja e Vila Franca de Xira.

Os chifres, as cruzes de alto a baixo, as frases «vocês são uns aldrabões», «chulos», «vão trabalhar» ou «tachos» são já um clássico em todas as eleições, mas a presidente da Assembleia de Apuramento Distrital de Oeiras, que analisou os votos dos concelhos de Cascais, Oeiras e Sintra, não contém as gargalhadas ao recordar toda a imaginação dos eleitores.

Uma eleitora de Sintra resolveu levar um poema de casa. Agrafou-o ao boletim de voto; outro utilizou todos os quadrados do impresso para escrever um palavrão de seis letras. Mais candidatos houvesse e maior seria o palavrão!

O espírito mais analítico de outro eleitor de Cascais levou-o a descrever a situação de cada candidato. Os comentários até revelavam acutilância e cultura geral q.b. Pena que o arrazoado tivesse sido escrito no boletim de voto que acabou, obviamente, invalidado.

No concelho de Gaia, um eleitor desenhou uma cruz perfeitinha no quadrado pretendido, mas sentiu necessidade de explicar a decisão. «Voto neste porque é o que tem ideias mais firmes». Quem não gostou da ideia foi a Assembleia de Apuramento Distrital de Gaia/Gondomar, que naturalmente invalidou mais este voto.

O eleitor saudosista pede «ao Dr. Salazar que nos proteja», o monárquico escreve «Viva o Rei» e a devota de Francisco Louçã pede favores ao candidato no verso do boletim.

«Senhor Dr. Louçã, se for eleito por favor tenha em conta as nossas necessidades, porque existe muito desemprego no País». Um pedido fatal para o candidato do Bloco de Esquerda, que aqui perdeu mais um voto... e logo de uma apoiante fervorosa.

Na zona da Amadora muitos eleitores votaram «SLB», figura amplamente conhecida, apesar de não estar na corrida. O mesmo não poderá dizer-se de um tal «Osvaldo» que, na Amadora, recolheu a preferência de um interessante número de eleitores.

Muitos agem deliberadamente para anular os votos, mas a juíza Sónia Kietzmann ficou «chocada com o número de votos nulos por desconhecimento». É o caso das cruzes em cima da cara do candidato, dos votos assinados ou das mensagens que acompanham o boletim e que, garante quem as leu, são inocentes e genuínas.

Dos cerca de cinco milhões e meio de votos nas eleições presidenciais do passado domingo, cerca de 43 mil e 500 foram anulados.

Corresponde a voto nulo, o boletim no qual tenha sido assinalado mais de um quadrado, aquele que ofereça dúvidas sobre o quadrado assinalado, boletins com cortes, rasuras ou que contenham quaisquer escritos.

Anulado foi, como é evidente, o voto do eleitor que levou um autocolante de casa para colar ao boletim: «O Zé do Telhado roubava aos ricos para dar aos pobres. Vocês fazem exactamente ao contrário».

Igual sorte teve o boletim do cidadão de Sintra que deixou mensagens personalizadas aos candidatos. «Ah poeta»; «És velho, vai descansar»; «És um demagogo», são apenas alguns dos exemplos.